sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Rosto

Era uma chuva tão grossa, que os pingos quase machucavam quando se chocavam contra minha pele. Caminhei até um espaço aberto, cercado de destroços, e foi lá que eu vi.

Vi um homem de costas, em pé e com ambos os pés sobre uma poça de lama. Uma luz muito forte irradiava no zênite. Ao seu redor, o mundo se desfazia gradativamente, como a água dissolve a lama presa na bota ou encrustada nos pneus de um carro. Ele contudo, não se movia. Nem ao menos piscava. Carros, prédios, parques, montanhas, ruas e casas, tudo estava a se dissolver.

Esse homem tinha os olhos fixos no alto, pupilas totalmente dilatadas e toda sua constituição física parecia voltada para a luz, como se se alimentasse dela de alguma forma. Ele ignorava todo o mundo destruído à sua volta.

Com o tempo, blocos gigantescos despencando de arranha-céus faziam grandes estrondos ao quebrarem-se no chão. Estilhaços eram arremessados para todas as direções. Havia muito pó, fumaça e destruição para todos os lados que se olhasse. Era sufocante. Mas ele estava lá, em pé, firme a tal ponto, que a princípio pensei que fosse uma estátua. Mas olhando bem, notei vida, muita vida pulsando de sua própria pele. Ar quente fluía dos seus pulmões. Podia-se ouvir seu coração de longe, e ele batia forte, como um tambor de guerra num compasso perfeito. Sua presença parecia criar uma atmosfera pacífica em meio àquele dilúvio de destruição.

Ele parecia divisar alguma coisa muito especial naquilo que olhava porque de tempos em tempos seu sorriso aumentava. E à medida que o tempo foi passando, ele começou a reluzir. A princípio como um bronze polido. Depois era como se sua pele fosse toda de prata. Ele tinha um porte que inspirava nobreza, apesar das roupas em farrapos. Em pé ele estava e em pé permanecia. E sorrindo.

A um dado momento, vi sua pele como feita de ouro. E a luz que por tanto tempo contemplou parecia irradiar dele mesmo, apesar de eu saber que era reflexo. Mas tornou-se um reflexo tão nítido, ao ponto de ele e a luz parecerem ser feitos da mesma substância. Ele disse alguma coisa para a luz, algo que não consegui ouvir direito, apenas um 's' ao final.

Quando falou e refletiu assim, não pude mais vê-lo. E não sei o que lhe aconteceu. O perdi de vista em contraste com a luz.

Curioso e intrigado, fui até aonde ele estava. Entrei na poça. Meus pés descalços sentiram o viscor da lama e a princípio, não entendi o que era aquilo, até ver ao fundo estas palavras escritas à mão e em letras garrafais: HUMILHAÇÃO PRÓPRIA.

No reflexo da lama, eu vi aquela mesma luz que estava agora acima de mim, a cento e oitenta graus completos. Ainda mirando a lama, pude divisar algo como um rosto em meio aquela luz e foi quando abruptamente resolvi olhar diretamente para ela. Levantei minha cabeça até a nuca tocar as costas.

Havia mesmo um rosto em meio a luz, e não era aquele homem, era Outro. Era o rosto mais lindo que já havia visto. No cristalino dos Seus olhos, eu vi galáxias, estrelas muito maiores que o sol, nebulosas de todas as cores e um lugar incrível que parecia meu lar. Não um lar em que já houvesse vivido, mas um que finalmente parecia ter sido feito para mim, e eu todo feito para ele.

Não pude deixar de olhar aquele Rosto. Não queria parar de olhá-Lo. Quanto mais olhava, mais feliz ficava. Senti meus músculos aumentarem e relaxarem ao mesmo tempo. Senti meus pés como pneus gigantes, mas não tive a mínima vontade de movê-los de lugar. Eu só queria continuar olhando àquele Rosto.

Ele sorria para mim! Seu semblante era a paz. Não que tivesse paz nele. Seu rosto era a própria paz de que tanto falamos.

Não sei por quanto tempo fiquei admirando àquela face. Talvez horas, talvez semanas, talvez anos, talvez eras. Esqueci-me do que era o tempo. Mas notei uma silhueta que agora me observava dos escombros. Não quis saber quem era e me esqueci do mundo ao redor. Mantive meus olhos fixos nEle todo tempo. Não havia dor, não havia cansaço, não havia nada. Só eu e Ele.

Desejei ser absorvido por Sua luz, e pudia senti-la pulsando em mim mesmo. Contemplei tanto sua face, que agora parecia que ela estava fixa na minha retina, como quando olhamos para o sol, e seu brilho fica marcado por alguns instantes na visão.

Até que lembrei-me de Seu Nome, e pronunciei como se cantasse para Ele. Queria agradá-lo com todo meu ser. Queria dar-lhe meus músculos, nervos, cérebro, rins e o coração.

E então disse com todo amor que acumulei por Ele ao longo da vida. Meus lábios pronunciaram O Nome que é sobre todo o nome. Sorrindo com os lábios e os olhos, eu disse: "Jesus"! E desapareci.

[JOC; Crônicas Jockeanas]
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